A janelinha

É meio engraçado isso, mas já faz um tempo que senti inspiração para escrever uma fábula, apesar de nunca ter escrito alguma (sem ser aquelas de escola). Me refiro a uma fábula com toda propriedade e extensão, que se pareça com nossa atualidade tanto quanto nossa natureza... Até que ela nasceu, com amor e carinho. Espero que a aprecie bem. Por detrás de suas letras há muita realidade, espero que consiga compreender e aprender, assim como também aprendi muito :)
Boa leitura.

A janelinha

Pequenos raios de luz incidiam sobre a crosta enrugada e quentinha onde estava, agora apertada demais do que de início. Conforme se mexia, os buraquinhos se abriam cada vez mais, revelando cores vibrantes e cheiros campestres no ar. A criaturinha se perguntava há quanto tempo não fazia a menor ideia do tamanho do mundo ao seu redor, quando uma rajada de vento balançou toda estrutura e uma enorme rachadura se abriu diante dela. Precipitando-se a frente, percebeu como tudo era novo. Ao mesmo tempo, demorou a sair, lembrando da comodidade proporcionada pela estrutura, seu casulo, que se desfazia cada vez mais. 

Quase se lançou ao imenso abismo colorido quando, ao debater-se, percebeu que voava. Foi diferente de tudo o que sentiu. Parecia tão arriscado, amedrontador e estranho, mas, ao mesmo tempo, como se fosse tudo pelo a qual fora criada. Era sublime. Avançou um pouco mais, percebendo vários detritos se esmiuçarem abaixo, pedaços da crosta que a prendia. De súbito, percebeu sombras ao seu redor e olhou para cima. Que espetáculo de cores! Em um plano azul, brilhante e sombreado com as copas de muitas árvores, várias outras delas voavam e revoavam pelo ar, felizes e deslumbrantes. Cada asa era especialmente única, com seus desenhos e brilhos, ainda que suas cores se assemelhassem. Se juntou a elas em pleno raiar do dia e celebrou sua nova e maravilhosa vida. Eram borboletas. Conheceu muitas delas, voou por diversos lugares, caiu e desequilibrou várias vezes, apegou-se a algumas irmãs mais próximas; aprendeu tantas coisas. Suas asas eram verdes, com alguns traços azulados. Seu nome era Vera.

Com o passar do tempo, Vera aprendeu que as borboletas se reuniam muito em um lugar imenso chamado Rede. Nesse lugar havia muitas folhas úmidas e propícias para se embalar bolhas. Muitas borboletas conseguiam fazer bolhas e apreciavam se enclausurar dentro delas, assim, avistando reflexos de dentro e de fora, meio distorcidos. Viam de tudo neles, a floresta e muitas outras borboletas. As bolhas tinham muitos reflexos, que elas chamavam de "janelinhas" para ver o mundo ao redor. Eram divertidas por vezes, porém elas sabiam que não podiam ficar tanto tempo lá dentro, pois suas asas podiam se atrofiar se não voassem, o que as prejudicariam. Por isso, praticamente todas as borboletas ficavam mais tempo fora delas, passeando, se aventurando e entrando de vez em quando nas bolhas para se entreter, em seus queridos casulos invisíveis.

Certa manhã, Vera voava ao redor da magnífica luz do dia, quando avistou a sua frente uma borboleta de asas cinza, com traços indistinguíveis pelo súbito de seu aparecimento. Seu jeito amigável a fez sentir bem e a surpresa lhe gerou uma pequena curiosidade, até que se distanciaram e ela se encolheu em meio as folhagens e prosseguiu seu caminho.

Dias depois, voando pela Rede, ela balançou uma folhinha úmida de uma árvore, captando uma gotinha d'água e se emblemando nela com a ajuda de suas asinhas. Traços molhados dançaram a sua frente, logo se afinando e trazendo seus diversos reflexos. Vera então avistou um pequeno traço cinza, embaçado e meio indefinido. Uma janelinha se abriu.

A curiosa borboleta de asas acinzentadas se chamava Aries, e era legal vê-la pelo reflexo, apesar de ser o único lugar pela qual Vera conseguia vê-la mais. Era uma borboleta que parecia esconder muito do que era, sendo sábia, alegre e com coisas boas para se contar. Às vezes ela era chatinha, como qualquer outra borboleta, porém Vera percebeu que não era só isso, havia algo de chamativo nela, e, logo uma carinhosa amizade surgiu.

Em voo se encontraram muitas vezes mas Aries sempre mantinha distância.

Certo dia, em seu casulo invisível, Vera passou a se perguntar para que todos aqueles encontros das borboletas em janelinhas, se podiam se encontrar fora das bolhas. Às vezes não fazia sentido e é claro que não era somente para Vera. "Sair de um casulo para se enclausurar em outro" pensava, que para muitos era tão normal. Mas a mágica da bolha parecia deixar tudo melhor e então pensou que a bolha não era assim ruim, mas até legal, às vezes.

O tempo passou e Aries se distanciou cada vez mais, sendo pouco encontrado. Vera evitava todas aquelas tradicionais janelas molhadas e passava a voar mais pela floresta, descobrindo muitas coisas. Não sabia onde Aries estava, mas sabia que o encontraria na luz do dia. E o via às vezes, pensando se talvez ainda abria janelinhas em Rede. Aries era encantado por algumas borboletas, mas era difícil vê-lo voar até elas. Ela era uma borboleta distante e isso era ruim pois ela paceria legal, mas muito tímida e sozinha. Vera queria vê-la voar, até que aprendeu algo...

As borboletas até queriam voar umas para as outras e em todos os cantos da floresta, mas sentiam medo, como se isso fosse muito arriscado. E isso de certo ponto de vista era muito bobo, pelo quanto as borboletas eram capazes. Elas queriam tanto se conhecer e conhecer toda a floresta, que algumas achavam que a melhor forma era através dos reflexos embaçados das bolhas, que pareciam ser tão maravilhosos - quão limitado tudo aquilo era!... 

Elas voavam muitas vezes distantes umas das outras, vagavam perdidamente pelo espaço e poucas se aventuravam a conhecer todo potencial de suas maravilhosas vidas. Por mais que as bolhas fossem legais, quanto mais elas se enclausuravam nelas mais elas se distanciavam de tudo ao redor. As janelinhas eram tão pequenas, mas tão pequenas, que pobre da borboleta que vivia nelas. Parecia até um modo de se esconder, inutilmente, naquela transparência. Era também um modo de se evitar voar e... arriscar. Será que esperavam o tempo para sair de seus casulos, sem se darem conta de que já saíram há muito tempo? E apesar de tudo isso, as infelizes borboletinhas só queriam ser... felizes. 

Vera nunca entendeu ao certo o que algumas borboletas tinham de tão especial, assim como Aries, pois nem sempre podia conhecê-las de perto. Mas imaginava um dia descobrir, cedo ou tarde. Até lá, queria que pelo menos pudesse conhecer mais das borboletas, da imensidão florestal ao seu redor e voar muito. Pois isso a fazia sentir cada vez mais em sua essência, explorando todo o seu potencial. É lógico que Vera sentia medo, tanto quanto qualquer outra criaturinha. Não sabia se conseguiria tudo o que sonhava, mas de uma coisa tinha certeza: toda borboleta podia muito mais do que pensava...

Fechou e abriu suas asinhas esverdeadas e voou, prosseguindo seu caminho. Nos raios de luz sentiu todo conforto de que realmente precisava, vindo de Seu Iluminado Criador, para sua longa jornada.
"Há tanto para voar" pensou. Certamente havia, além do que se podia ver...

Moral da história:
Amar é voar, ir além do olhar.

Por T.O.Reis

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